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Celebrações Rituais, o Mundo Lendário e as Tradições Orais no Ciclo de Inverno

 


Conferência - 6 de janeiro 2018; Palácio Marquês de Pombal, Oeiras

 

Introdução

Com os primeiros agricultores e pastores estruturam-se os territórios. Diferentes comunidades fixam-se à terra e desenvolvem-se outros modos de vida. Dá-se uma transição relativamente aos seus antecessores caçadores/recolectores, constituindo esta uma nova etapa no processo de evolução da Humanidade. Os agricultores neolíticos vão acumulando saberes visando o êxito das suas sementeiras, enquanto vão criando também um mundo religioso. Surgem cultos agrários e certos rituais, tendo como um dos principais objectivos alcançar melhores colheitas. As celebrações em determinadas datas coincidindo com os momentos principais do tempo cósmico (solstícios e equinócios) pretendem proporcionar às sociedades gregárias um contacto marcante com as divindades ou entidades celestes. Ao perpetuarem tais cerimónias, procuram inscrever-se harmoniosamente no seu meio natural e sobrenatural, ou seja, permitir a abundância e assegurar a manutenção do grupo.

Em diferentes partes do mundo, as festividades tradicionais - enquanto expressões peculiares das culturas - adoptam formas onde está evidenciada a relação do homem com a natureza e em que as crenças se nos deparam organizadas à volta de marcas

temporais que ritmam os rituais. A vida religiosa das populações rurais encontra o seu alimento nas forças da natureza, em lugares onde o sagrado mais habitualmente se manifesta. É ali que descobre os principais motivos para a organização dos seus ritos festivos. Daí que sob a adopção de uma plêiade de santos, as festas cíclicas continuam a manter vivas as velhas tradições rurais. Mas são, sobretudo, as festas marianas que mais se identificam com o distante caminho milenar, sendo nelas que mais se descobrem os elementos ancestrais.

As populações têm assim necessidade de dar à sua existência uma dimensão sagrada, de se regenerarem em instituições colectivas capazes de harmonizar os elementos cósmicos. Condicionadas pelas realidades locais, pelas suas mentalidades e por imposições exógenas, as diferentes práticas tradicionais têm sido objecto de sincretismos, de adaptações, de refundações e de reestruturações que, sem terem dissipado a longa herança milenar, têm modificado o seu conteúdo original.

As festividades tradicionais coincidem com os momentos principais do tempo cósmico, embrincam-se na natureza, nas fontes vivas do universo, estão ligadas aos astros, às luas novas, ao sol, à vinda da Primavera, às chuvas abundantes, às terras férteis e aos frutos, exprimindo a diversidade da paisagem, a cultura, a variação do clima ou das estações do ano.

Em cada solstício de inverno, com as costumadas festividades cíclicas e as oralidades tradicionais fica sempre refletida uma viva e enorme riqueza patrimonial imaterial. Exemplo disso são as celebrações rituais que actualmente prosseguem, como é o caso das «Festas dos Rapazes» ou de «Santo Estevão», em Ousilhão-Vinhais e Grijó de Parada, em Bragança; Festas do «Chocalheiro» e do «Farandulo», em Bemposta e em Tó, no Mogadouro; «Festa das Fogaceiras», em Santa Maria da Feira; «Caretos de Podence», em Macedo de Cavaleiros; «Romaria de S. Brás», na Nazaré; «Festa do Menino Jesus», em Vila Chã de Braciosa-Miranda do Douro; «Enterro do Pai Velho», no Lindoso-Ponte da Barca; «Os Cardadores», em Ílhavo; «Festa de S. Gonçalinho», em Aveiro; «Canto das Janeiras» e «Canto dos Reis» ou dos «Santos Rezes», como em Alenquer, Ovar, Cadaval, Vale de Anta-Chaves, Donões-Montalegre e Barbacena-Elvas.

Também é neste período que surgem mais marcadamente as narrações orais, os contos populares, os romances, as lendas e outros géneros da tradição oral que muito ajudam a entender a personalidade ou a especifica forma de ser português.

Estas arreigadas expressões incorpóreas têm vindo a ser, todavia, mais do que antes, perigosamente atingidas, tudo devendo fazer-se agora para evitar a sua perda.

Torna-se, por isso, imperioso agir para ampliar o conhecimento sobre tão inestimável património cultural. Com esta conferência e a participação do grupo polifónico feminino CRAMOL (detentor de reportório de raiz tradicional), pretende-se dar pleno sentido a tal afirmação, isto é, contribuir para aumentar a perceção sobre a importância do Património Cultural Imaterial em Portugal, dado que ainda é mesmo muito o que aqui falta «descobrir», estimar, salvaguardar e valorizar.

Luís Marques (Presidente da Associação)

 

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